
"Eu tenho um sonho de que um dia meus quatro filhos vivam em uma nação onde não sejam julgados pela cor de sua pele, mas pelo seu caráter."
Martin Luther King
Alguém que acelera o carro a 150 km/h em uma estrada sinuosa em uma noite chuvosa?
Ou alguém que atravessa a rodovia movimentada sem utilizar a passarela?
Quem sabe se eu sou um suicida em potencial considerando que eu ando sem o sinto de segurança quando estou de carona no banco de traz do carro?
Outro dia soube que algumas pessoas do meu bairro são contra as minhas filosofias e os ensinamentos que eu estou tentando passar. Estou incomodando tanto as pessoas aqui da vizinhança que já ouvi falar que estão querendo me matar. Ontem mesmo, um amigo alertou para eu não freqüentar a pracinha do trailer porque eles estavam arrumando uma emboscada pra mim. No entanto um garoto que venho evangelizando a um tempo esta andando com umas companhias que não são boas e eu senti que tinha que ir lá hoje à noite. E fui! Encontrei o João e o seu amigo Pedro, reforcei com eles as minhas idéias e disse que eram pra eles seguirem firmes no movimento porque era o melhor caminho.
Agora eu fico pensando, será que eu sou um suicida? Eu sabia que estava armando uma pra mim La na pracinha e mesmo assim fui lá? Eu não sou um suicida em potencial por causa disso? Acabei de levar quatro tiros e estou sentindo a vida sair de mim neste exato momento. Thiago que estava com João e Pedro quando eu conversava com eles, veio correndo e disse que acreditava em todas as coisas que eu falava que ele ia divulgar a minha idéia.
Ao menos eu consegui converter três pessoas com a minha morte. Mesmo sabendo do perigo e do risco de morte eu fui à pracinha, mesmo podendo ser considerado um suicida eu fui à pracinha, mas eu tinha um propósito e este propósito tinha princípios, eu precisava salvar a vida de João e ainda consegui salvar a vida de Pedro e Thiago.
Jesus sabia que seria crucificado, mas mesmo assim entrou em Jerusalém. Mas ele tinha um propósito e tinha princípios fortes. Acreditava fielmente que a sua morte traria vida para muitas outras pessoas e trouxe. Ele morreu, nos deu vida, venceu a morte, ressuscitou e continua nos ajudando e salvando vida mesmo depois de dois mil anos. Maquiavel tinha razão o fim justifica os meios. Concordo com ele, mas desde que você tenha princípios. AMOR o maior de todos os princípios.
Eu morri, mas influenciei a vida de três pessoas, não sei por quanto tempo a minha atitude vai durar. Mas vai durar por um tempo.
E você quantas vidas já “salvou”? Quanto tempo durou ou por quanto tempo sua melhor ação foi lembrada?
Será que vai ser preciso você morrer para fazer a diferença? E se for preciso você se mata?
Jesus morreu! E eu dou glorias a Deus por isso!
Nele, que não precisa de justificativa.
Amei e odiei como todos, mas, acorrentado ao cotidiano, não escapei de ser empurrado pelo ofício de sobreviver. Eu acreditei no imperativo de findar a jornada como modelo de sucesso. Assim, sonhei e trabalhei sem perceber a brevidade da vida.
Daqui, noto que me deixei encabrestar por escrúpulos sociais e domesticar por demandas religiosas. Pobre de mim, pacificado, a minha existência se esvaíu em uma homorragia lenta.
Agora morto, medito sobre o meu ativismo. Restaram-me estes olhos fatigados, fixos e cadavéricos. Vejo a estearina bruxuleante que acenderam para a última vigília e desperto: estas olheiras nasceram de minha constante responsabilidade. Desde a adolescência lutei por ideais que me cobravam forças onipotentes. Desprezei a sede pelo silêncio. Arfo pelo inefável. Tenho fome de beleza.
Onde estou, os espelhos são nítidos. Brilha uma claridade cristalina por todos os lados. Lembro-me dos mínimos detalhes e, como não tenho pressa, determino que vou encontrar-me. Não posso avinagrar o que restou na alma. Preciso integrar-me e descansar o coração. Espalho as circunstâncias vividas como peças de um tabuleiro para tentar dar algum sentido ao que experimentei.
Estabeleço que o tenhoque deixará de ser um jugo; o nãodevo, uma obrigação; o nãoposso, um tabu.
Quero ter a minha vida leve como uma pipa. Que o meu porvir seja intrépido como uma jangada feita com os galhos de um carvalho manso. Só agora estou seguro. Não preciso provar-me a uma divindade incontentável. Nenhuma guilhotina desceu sobre meu pescoço imaterial. Já não me sinto obrigado a defender um nome - não se traz qualquer notabilidade para esta dimensão. Sou anônimo entre anônimos.
Quando precisar escalar a próxima serra, não me considerarei um pusilânime. Prometo galgar todas as ladeiras sem fanfarrice. Sóbrio, pretendo encarar o porvir com mais cuidado.
Aprendi, tardiamente, que a minha jornada foi precária, as escolhas, provisórias e as certezas, imprecisas. - Oh, nunca imaginei que admitiria a minha debilidade! Há pouco, afirmava que só incompetentes e medíocres comentam os seus malogros. Porém, contemplo o meu corpo inerte, desfigurado, sem viço. Juro: - De agora em diante, marcharei um passo de cada vez, um pé na frente do outro – o mal de cada dia me bastará.
Por que não inspirei a beleza inútil que me rodeava? No estado de deslembrado, deixo de ser prático, dou de ombros para os lógicos e rio dos úteis. Estranho. Sinto-me satisfeito com as imagens imprecisas que o coração guardou. Retalhos de momentos esparsos tornaram-se a minha pouca fonte de alegria.
Prometo: não serei leviano no próximo abraço, distraído na próxima conversa e jamais reticente diante do próximo afeto.
Acabei-me. Não quero lápide. Sei que vou amarelar nos álbuns de fotografia. Inconformado, grito, esbravejo e esmurro o chão: – Quero viver, quero viver, quero viver. Mas, dos confins da eternidade, ressoa: “Tarde demais”.
Soli Deo Gloria.
Sou a mistura dos sons, paladares e cores de minha terra; o tamborilar da chuva na telha de barro que ressoa desde o lar mais remoto; a memória sobrevivente de ancestrais já defuntos; o aroma de uma velha cozinha mal cuidada; a ruptura de desejos pueris; o escombro de tragédias sem reposta; a sintaxe de um idioma que se fez pátria; a sede do transcendente que reluz nos olhos inquietos de um menino; o medo perene da rejeição; a carência de um peito acolhedor; a encarnação do fracasso repetido; a vertebração de perseverar como dever; o profeta da impotência; o criador da cisma infundada; o filho que se alterna terno e insensível; o pêndulo que confunde melancolia com nostalgia; o covarde que se revela tenaz; o corajoso que claudica; o cético cheio de fé; o santo que não passa de ordinário.
Soli Deo Gloria