setembro 20, 2010

A subjetividade da beleza

Por Laion Monteiro


O caminho que nos leva à guerra é sorrateiro. Não precisamos de muita coisa para digladiarmos. O emaranhado de motivos sabiamente articulados para justificar um ataque não é capitaneado por altas justificativas. Somos presas fáceis quando o assunto é discussão. Facilmente levados pela pretensa ideia de que nossas teses, pensamentos e opiniões mudam o curso do mundo, não medimos esforços para encastelar nossa verdade particular. E nesse intento, um simples til fora do lugar é suficiente para desejarmos as mais despiedosas consequências aos que ousam não concordar com nosso ponto de vista. Existem certezas que nos tornam belicosos. E dentre tais convicções, não vejo nenhuma outra mais poderosa do que a religiosa.

"O prêmio Nobel de Física, Steven Weinberg, lembrou certa vez uma genial obviedade: que gente boa costuma fazer o bem, gente má, cometer más ações, mas para que se consiga que pessoas de bem pratiquem atrocidades, só em nome da religião."
Marilia Fiorillo, O Deus Exilado
Dizer que fundamentalistas não hesitaram em derramar sangue durante séculos e séculos graças às suas verdades absolutas não é anunciar nada de extraordinário. O que mais me intriga são as minhas certezas ínfimas. Ou melhor dizendo, as certezas que tenho relacionadas a assuntos ligeiramente triviais. A plena consciência de que devo não só ter vontades definidas mas também de fazer apologia de cada uma delas é o que considero como algo religiosamente definido. Não consigo convencer o outro e quando estou diante desse meu fracasso existencial escapo pela via mais mesquinha: demonizo-o. Relego meu próximo à indiferença. E nada mais desesperador do que ser vítima do desprezo.  

A indiferença é uma violência muda. 

Portanto, sou religiosamente convicto de meus gostos musicais, teatrais, cinematográficos e até políticos. A partir daí, começa a soar estranho o que me é diferente. De tão certo que estou, julgo algumas vezes ser a minha vontade a melhor. E quando isso acontece, fico a dois passos de classificar minha insuficiente opinião como algo indiscutivelmente salvador, inteiramente messiânico. Perdi as contas de quantas vezes pensei comigo mesmo como algumas pessoas não gostam desse ou daquele gênero musical; o porquê de ainda não terem assistido àquele filme que tanto me tocou; como conseguem ser tão obtusas e continuar votando no candidato x ou partido y; e mais outras idiotices invariavelmente descartáveis. Não defendo a morte da opinião. Acredito que devemos formá-la da melhor maneira possível. O que acho estranho é o nosso afã de, em nome da opinião, sacrificarmos nossas relações. Quando, por não subscrever nossas ideias, privamos o outro de ser atingido por nosso olhar.

Terrível seria meu caminho, confusas e tortuosas minhas relações caso eu não houvesse acordado para o caráter subjetivo da beleza. Quando estou diante da crueza da vida carrego também comigo a minha história. Ao lançar um olhar pra cada cena da existência certamente o farei a partir de minhas experiências, da minha idiossincrasia. Resultado dessa fórmula é que aquilo que me faz chorar não necessariamente fará o outro se emocionar. Enquanto de um lado me acabarei em lágrimas diante de um filme; o outro acompanhará tudo palitando os dentes. Seria engraçado caso não fosse ultrajante para algumas pessoas.

Sou essa crise infindável. Preciso aperfeiçoar-me na arte da galhardia. Espero não vitimar o próximo caso minha convicção não encontre continuidade em sua mente. Decidi aceitar o desafio de discordar com elegância, expor minhas ideias com discrição e conviver gentilmente. No terreno das relações, quero fazer de tudo pra não desprezar o olhar que busca refúgio. Não quero ser privado de ser atingido por nenhum olhar amigo, não quero sair ileso de nenhuma aproximação. Hoje, faço questão de ser ferido pelo afeto.

Meses atrás, caminhava nos corredores do Palácio da Boa Vista, em Campos do Jordão, quando meus olhos foram surpreendidos por uma tela de Di Cavalcanti. Diante da obra, meu coração bateu forte. Perdi-me por um instante. Fiquei feito a mulher que um dia amou sozinha: ainda buscando firmamento. Quando menos esperava, ouvi um homem dizer, Vamos embora logo...um monte de quadro, isso é pura perda de tempo. No frio, ajeitei o cachecol e pensei em escrever um texto. Esse.

Laion Monteiro

Publicado nesta segunda-feira no site Celebrai

Enviado via email por Laion.

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