Mas atentemos bem. Jesus não anunciou uma Igreja. Ele anunciou o Reino de Deus e a transformação interior(conversão). Posteriormente, no seu lugar, surgiu a Igreja como comunidade de fieis, que crêem em Jesus. Essa evolução é quase fatal e férrea. Mas ela é outra coisa. Não pode ser identificada como a experiência original de Jesus. Ela está subjacente à Igreja e às suas instituições, mas não se identifica com ela. Uma coisa é a fonte de água cristalina.Outra coisa é sua canalização para o aproveitamento humano. O cano de água não é a água.
Infelizmente, muitas vezes os cristãos identificaram o Reino de Deus com a Igreja, e Jesus com o Papa, com o bispo ou com o padre. Essa identificação representa uma patologia e uma decadência. O meio se transforma em fim. A Igreja, em vez de se apresentar caminho de salvação, se apresenta, erroneamente, como a própria salvação, como se a imagem do pão fosse o próprio pão.
As autoridades eclesiásticas, em de vez de serem representantes de Deus e do povo religioso, ocupam o lugar de Deus pela reverencia e obediência total que exigem. A Igreja deve ser como a vela acesa. O que ilumina é a chama, não a vela. A vela é suporte para que a chama queime, irradiando luz e calor. A vela é a Igreja, e chama é Jesus e sua experiência fundadora.
Mas o que conta fundamentalmente no cristianismo em suas múltiplas igrejas é a experiência singular de Jesus de Nazaré. Nós seremos herdeiros de Jesus não por habitarmos a instituição cristã e seguirmos seus preceitos. Seremos herdeiros se tentarmos continuamente refazer a experiência de Jesus, se entrarmos no movimento de Jesus, nos sentirmos filhos e filhas de Deus, e , ao mesmo tempo, olharmos os outros também como filhos e filhas, tratando-os de dentro de cada um e fazendo de cada mulher de cada homem seus filhos e filhas, nossos irmãos e irmãs.
Se a religião cristã, em suas várias formas eclesiais e institucionais, produz continuamente essa experiência, ela se transforma em caminho espiritual. Ela representa a espiritualidade pura. Mas se ela não transforma a nossa interioridade, se continua a ser apenas religião de consolo e meio de salvação por medo da perdição, ela se transmuta em ópio. Se permite que seus ritos e símbolos sejam usados e abusados no mercado religioso, especialmente pela grande mídia, para apenas suscitar comoção e não aquela transformação interior decorrente da experiencia do Deus vivo e do engajamento pela justiça, pela paz e pela integridade do Criador, ela se transforma em simples fetiche. Podemos até, com a religião, pecar contra Deus, e pela religião afogar a espiritualidade.
Por isso é sábia a prescrição do Decálogo ao coibir, no segundo mandamento, o uso do santo nome de Deus em vão. Talvez seja o mandamento contra o qual as religiões mais pecam, especialmente as Igrejas mediáticas. Nas rádios e nos programas de televisão é Jesus para cá e Jesus para lá, sem qualquer sentido de reverência e de moderação. Banaliza-se o sagrado, como se Deus, Jesus e as Escrituras fossem uma moeda circulante para todas as finalidades. O nome de Deus passa a ser usado para os interesses dos homens, não para os interesses de Deus, em dissonância com a natureza do sagrado e do espiritual.
Texto tirado do livro " ESPIRITUALIDADE - UM CAMINHO PARA A TRANSFORMAÇÃO" - Leonardo Boff - Editora Sextante.
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