maio 18, 2009

Contradições evangélicas

Por Éverton Vidal


Pregava empolgado um pastor, sobre os homens de Deus do passado e a necessidade de imitar seus exemplos. Em seguida, emocionado e emocionando contava fatos da vida de heróis da fé evangélica retirados de um livro que depois indicaria. A conversão de Lutero. A vida de oração de Calvino. Spurgeon, Withfield, Wesley, pastores, missionários, teólogos – homens que se dedicaram à Igreja, ao estudo da Bíblia e da fé. Sentado em um dos bancos da frente, empolgado eu também dizia “amém”. Gosto de exaltar bons exemplos e de procurar segui-los. Tenho uma lista de santos por cujas vidas agradeço a Deus. Verdadeiros dons dados pelo Senhor a nós.

Porém, no prosseguir da mensagem, a ladainha legalista de sempre. Em suma, o “santificai-vos” entendido não como se desvestir da justiça própria e caminhar os passos do Cristo, mas uma mera prática de coisas exteriores e, naquele dia, uma ênfase especial, no ‘abandonamento’ da caipirinha e do cigarro. Eu compreendo essa repulsa. Sei de muitos lares que acabaram pelo álcool. Sei de enfermidades e gente sofrendo pelo fumo. E mesmo quem bebe pouco, já teve do que se arrepender quando exagerou na dose. Sei dos perigos e dos estragos no corpo, na família e sociedade, e a Igreja tem motivos de sobra pra levantar a voz e alertar sobre as ameaças dessas substâncias.

O que não vale é julgar destino eterno de ninguém, por conta do que fazem ou fizeram, ainda que sejam pecados. Não vale corromper o evangelho colocando-o como simples seguimento externo de práticas uniformizadoras de denominações. Evangelho é vida interior. E o que contamina o homem é aquilo que sai de dentro do seu ser. Não se pode tratar como incrédula uma pessoa só porque não resiste ao cheiro do velho barreiro com gelo, limão e açúcar, ou odor da fumaça do tabaco.

Também não vale ludibriar o povo, citando “são fulano” em defesa daquilo que se expõe, mas ocultando outras atitudes e singularidades do mesmo. Sim, é contraditório citar um “herói da fé” pra dar peso e autoridade ao que se prega, enquanto se exclui, trata como menos ou condena ao inferno os irmãos que, não poucas vezes, crêem ou praticam as mesmas “coisas erradas” daquele que é citado.

É contraditório exaltar, por exemplo, a vida e obra de Lutero em um sermão em que se trata um apreciador exagerado de vinho e cerveja, ou seja, um beberrão, como condenado ao inferno. O reformador, cujos atos a igreja evangélica exalta é o mesmo que certa vez escreveu, “ontem aqui bebi mal e depois fui obrigado a cantar; bebi mal e sinto-o muito. Como quisera haver bebido bem, ao pensar que bom vinho e que boa cerveja tenho em casa, e mais uma bela mulher... Bem farias em mandar-me daí toda a adega bem provida do meu vinho e, o mais freqüentemente que puderes, um barril de tua cerveja”. E noutra ocasião, “ainda bem que Deus considerou a bebedeira um pecado pequeno; tem que considerar; afinal, quem pode parar com isto?”

Spurgeon, o príncipe dos pregadores, fumava charutos e era até acusado por alguns de fazer apologia ao fumo. “Fumava para a glória de Deus”, segundo ele. E muitos pastores evangélicos que apressadamente lançam pecadores ao abismo o citam como se fora Bíblia. É comum ouvir pastores esculacharem católicos por orarem pelos mortos e crerem no purgatório. Ora, são os mesmos que citam CS Lewis “com louvor”, ou apresentam Agostinho aos seminaristas como um evangélico de batina, ignorando todos os outros pontos de suas teologias. E estes exemplos são apenas gotas em um oceano de contradições.

Que fique bem claro que tenho em grande estima esses irmãos de fé de outros tempos e encontro neles força e inspiração para caminhar minha jornada. Com alguns compartilho até os maus hábitos. É totalmente sadio e aconselhável exaltar bons exemplos de pessoas sem que se aceite a totalidade de seus atos, crenças e idéias, mesmo quando são irmãos no Cristo. O que se deve condenar é a maquiagem da realidade, mal que se torna cada vez mais comum, isto é, a pregação de semi-verdades. Omissão pra passar uma imagem também é pecado, desses que se faz não fazendo. "Verdade besuntada com mentiras", coisas que o povo ensinado e acostumado a não questionar acaba aceitando como palavra de Deus.

Via Blog Lion of Zion

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