setembro 28, 2010

Falar muito é um grande perigo

Falar é um perigo. Falar muito é um grande perigo.
A porta se abriu.
- Oi, pai!
- Oi, minha filha.
- Como foi a reunião?
- Uma benção! Deus falou naquele lugar.
Tirou o paletó, afrouxou a gravata...
- Filha, senta aqui. Preciso falar com você.
A moça temeu. No peito, aquela sensação de inexistência.
- Pode falar, pai.
- Já pensou em quem votar nessas eleições?
Eleições significava nada. Respirou aliviada.
- Não, pai. Não pensei sobre isso.
- Votaremos para Deputado Estadual e Deputado Federal, Senadores, Governador e Presidente da República.
O assunto não tinha continuidade nela. Esperou o pai prosseguir.
- Minha filha - reduziu a distância que havia entre os dois no sofá - Jesus está voltando. Nessas eleições, ainda que você não saiba em quem votar, preciso lhe falar em quem não votar. Existe um plano sendo orquestrado nos bastidores do poder e nós evangélicos não podemos coadunar com ele. Leis estão sendo criadas para legitimar o casamento gay, legalizar o aborto e coibir a liberdade de crença. E existe um partido político que está por detrás disso tudo. O sangue de Jesus repreenda esse mal, mas se determinadas pessoas forem eleitas, sofreremos em breve a maior perseguição dos últimos anos. Não poderemos nos posicionar contra as práticas homofóbicas senão seremos presos. Não poderemos pregar senão seremos punidos legalmente.
Ela, enquanto ouvia o pai, se lembrava de alguns e-mails que havia recebido.
- Só não vê quem é cego. Deus já usou um pastor e ele já se pronunciou sobre o assunto e o video já teve milhares de visualizações na internet. Recebi um e-mail essa semana confirmando o envolvimento de tais políticos com o satanismo. O PT conspira contra nós evangélicos, minha filha. Não podemos eleger nenhum de seus correligionários. Dizem até que a Dilma Roussef está com câncer, mas ninguém sabe. Ela está servindo de ponte pra que o Michel Temer, seu vice, que é satanista, chegue ao poder. Esse é o plano: a Dilma morrerá em breve e quem será o seu sucessor? Um satanista. Misericórdia...
- E o que acha disso tudo?
- O que eu acho disso tudo? Como o que eu acho disso tudo?! Precisamos nos posicionar contra esse partido. Não vote em Dilma Roussef, muito menos em deputados e senadores do PT. O Reino de Deus deve ser expandido e isso nos proibirá de fazê-lo. A Palavra do Senhor diz que nos últimos dias muitos se levantariam contra a mensagem do Evangelho. É o que está acontecendo! É isso! Satanás quer amordaçar a igreja de Jesus. Mas ele não vai conseguir. Não vai mesmo. A Bíblia diz que as portas do inferno não prevalecerão contra a igreja de Cristo. Vamos fazer nossa parte. Não vamos votar nesses filhos do cão que querem impedir a salvação de muitos. O Evangelho precisa chegar aos quatro cantos da terra. E nada vai nos deter.
A moça apenas fitava o pai com desinteresse. 
- Entendi, pai. Que Deus dê pra gente vitória nessa peleja - repetiu feito um robô.
O pai sorriu satisfeito.
- Nós e nossa casa serviremos ao Senhor! Agora me dê licença, filha, vou tomar banho.
Ele caminhou até o banheiro, encostou a porta, jogou a camisa suada por sobre o box e curvou-se pra escovar os dentes. Enquanto repetia alguns cânticos, ouviu o telefone tocar na sala. Rapidamente endireitou o tronco, abriu uma fresta da porta e ainda com água e pasta na boca, gritou:
- Se for do banco, diga que não estou!
Encabulada, deu o devido recado.
Lia uma revista pra se esquecer. De repente, uma presença:
- Oi, filha!
- Oi, mãe.
- Estou exausta. Reunião atípica no fim do expediente.
- Aconteceu alguma coisa?
- Tivemos um conversa com o diretor. Ele nos deixou a par da turbulência que essa filial da empresa está passando. Disse que discordou de alguns pontos propostos pela matriz. A ordem é lucrar, lucrar, lucrar independente dos meios que levarem até isso. Cogitaram redução no quadro de funcionários e congelamento das comissões para os vendedores. A pressão está grande e ele estava nervoso. Disse a nós que não concordava porque cedo ou tarde a empresa não se sustentaria. Era arriscar demais. O estranho foi que ele, sendo ateu, citou até algumas palavras de Jesus pra dizer que de nada adianta grandes objetivos, mudanças astronômicas se a gente não toma conta da nossa casa, de nós mesmos. Esse é o cenário da empresa, filha: querem mais filiais, mas não conseguem manter as que já existem.
- Poxa, que situação.
- Enfim, não quero falar muito sobre isso. E você meu amor, como você está?
A moça não teve pudor em adiar o carinho e indagou:
- Como ele citou Jesus?
- Com uma frase.
- Qual?
- "De que adianta o homem ganhar o mundo inteiro e perder a própria alma". E ele não tem razão?
Antes de responder, lembrou-se do pai, satanás, políticos, banco...
 
Laion Monteiro
 
texto publicado nesta segunda-feira no site Celebrai

Enviado via email por Laion

setembro 27, 2010

Em busca de mim mesmo

Por Ricardo Gondim
 
Desde que me entendo por gente, já se passaram muitos séculos, parece.

Eu disquei em telefones de baquelite preta; aprendi datilografia repetindo "asdfg" mais de um milhão de vezes; voei em avião movido a hélice e sem pressurização; cantei os jingles de "quem bebe Grapette repete"; acompanhei a desastrosa Copa de 1966 pelo rádio; estudei em escola pública; fui patrulhado por um infiltrado da ditadura, meu professor de Organização Social e Política Brasileira, o famigerado OSPB, porque escrevi "proletário" em um trabalho de conclusão de curso. 

Decididamente não venho deste século. Jurássico, canto com Louis Armstrong: "I hear babies cry, I watch them grow /They'll learn much more than I'll never know".

Depois de tudo, tudo, continuo a perguntar: "Quem sou eu"? Perplexo, não sei delinear a moldura que me distingue dos outros.

Sou um universo de subjetividades;

a mistura dos sons, paladares e cores de minha terra natal;

o tamborilar de chuva em telha de barro, que ressoa desde um quarto antiquíssimo;

a memória sobrevivente de ancestrais defuntos;

o aroma da velha cozinha onde vovó fazia vatapá;

a  ruptura de desejos pueris;

o assistente de tragédias sem reposta;

a sintaxe imprecisa de um idioma que se fez minha pátria;

a sede do transcendente que reluz em meus olhos de menino inquieto;

a encarnação do medo perene de rejeição;

o anseio carente de um colo acolhedor;

a negação de fracassos prenunciados;

a vertebração de perseverar como dever;

o profeta da força avassaladora da impotência;

o filho que alterna o terno e o insensível;

o pêndulo que oscila da melancolia para a euforia; 

o covarde que se revela audaz; 

o corajoso que claudica;

o cético pleno de fé;

o santo que se sabe reles.

 
Soli Deo Gloria
20-08-10
 

setembro 23, 2010

SIGA AS PLACAS!!!!!!

Clique na imagem!


Dez Diálogos Premiados!

10º lugar :
- Como é que se chama um traficante armado até os dentes?
- É melhor chamar, no mínimo, de excelência...

9º lugar :

- Como é que se faz um monte de velhinhas gritar 'Merda!?
- É só gritar 'Bingo'!!

8º lugar :
- Por que Hitler odiava os judeus?
- Porque ele não conhecia os argentinos.

7º lugar :

- O que é preciso para reunir novamente os Beatles?
- Mais duas balas.

6º lugar :
Um advogado e sua sogra estão em um edifício em chamas.
Você só tem tempo pra salvar um dos dois. O que você faz?
- Vai almoçar ou vai ao cinema?

5º lugar :
A baiana deitada na rede pergunta pro amigo:
- Meu rei... Tem aí remédio pra mordida de cobra?
- Tem não, minha linda. Por que? Você foi mordida, foi?
- Ainda não, mas ela está vindo na minha direção...

4º lugar :
A mulher comenta com o marido:
- Antero, querido, o relógio caiu da parede e quase acertou a cabeça da mamãe...
- Maldito relógio! Sempre atrasado.

3º lugar :
- Onde você estava? - pergunta a mãe à menininha.
- No quarto, brincando de médico com o Joãozinho.
- De médico!?! - a mãe dá um grito e um salto da cadeira.
- Medico do SUS, mãe..., ele nem olhou na minha cara!

2º lugar :
A titia pergunta pro Joãozinho:
- O que vai fazer quando for grande como a titia?
O Joãozinho responde: - Um regime!

1º lugar :
Conversa de casados:
- Querido, o que você prefere? Mulher bonita ou inteligente?
Nenhuma das duas. Você sabe que eu prefiro VOCÊ!!!

Verdades sobre Neymar!

Neymar ligou para o Papa e disse: véio, cuida dos fiéis que nos SANTOS eu mando!
 
O Windows do notebook do Neymar travou e minutos depois Bill Gates foi demitido.
Neymar fez o Capitão Nascimento pedir pra sair.
Sejamos francos: sem o Dorival Júnior o Peixe está frito.
Santos anunciará amanhã o novo técnico. Super Nanny é a mais cotada!
Neymar atendeu o Bigfone da concentração e ganhou o poder supremo, Dorival inocente não fazia idéia.
William Bonner começará o Jornal Nacional agora dizendo: boa noite, Neymar!
Se o Neymar fosse do Flamengo, ele já tinha soltado o Bruno e prendido o delegado .
O mundo acabaria em 2012. Mas Neymar decidiu que quer jogar a Copa de 2014. O mundo ganhou mais dois anos .
Neymar fura o sinal vermelho e o Semáforo é demitido.
Quando parar de jogar futebol Neymar vai dar palestra para funcionários de como demitir seu chefe.
Procurei Neymar no Google. Apareceu "Voce quis dizer: Supremo Senhor Mestre Soberano Universal?
Se o Neymar Futebol Clube perder uma partida de futebol no Playstation 3, o presidente da Sony será demitido!
Um certo dia Neymar jogou um pião e deu-se assim o movimento de rotação da terra
 Neymar mandou demitir o médico que fez seu parto: "Quem esse cara pensa que é pra me tirar desse jeito?", disse o jogador ...

setembro 22, 2010

Manifesto pela concórdia e pela paz

Por Leonardo Boff

Nenhum ser humano é uma ilha… por isso não perguntem por quem os sinos dobram. Eles dobram por cada um, por cada uma, por toda a humanidade.

Se grandes são as trevas que se abatem sobre nossos espíritos, maiores ainda são as nossas ânsias por luz. 

Assistimos há dias, com estupor e indignação, o irromper da demência humana. Não deixemos que essa demência detenha a última palavra.

A palavra maior e última que clama em nós e nos une a toda a humanidade é por solidariedade e compaixão pelas vítimas, é por paz e sensatez nas relações internacionais.

As tragédias dão-nos a dimensão da inumanidade de que somos capazes. Mas também deixam vir à tona o verdadeiramente humano que habita em nós, para além das diferenças de raça, de ideologia e de religião. E esse humano em nós faz com que juntos choremos, juntos nos enxugemos as lágrimas, juntos oremos, juntos busquemos a justica, juntos construamos a paz e juntos renunciemos à vingança.

A sabedoria dos povos e a voz de nosso coração nos testemunham: não é terrorismo que vence terrorismo, nem é ódio que vence ódio. É o amor que vence o ódio. É o diálogo incansável, a negociação aberta e o acordo justo que tiram as bases de qualquer terrorismo e fundam a paz.

A tragédia que nos atingiu no mais fundo de nosso coração nos convida a repensarmos os rumos das políticas mundiais, o sentido da globalização dominante, a definição do futuro da humanidade e a salvaguarda da Casa Comum, a Terra. O tempo é urgente. Desta vez não haverá uma arca de Noé que salve alguns e deixe perecer os demais. Temos que nos salvar todos, a comunidade de vida de humanos e não-humanos.

Para isso precisamos abolir a palavra inimigo. É o medo que cria o inimigo. E exorcizamos o medo quando fazemos do distante um próximo e do próximo, um irmão e uma irmã. Afastamos o medo e o inimigo quando começamos a dialogar… a nos conhecer… a nos aceitar… a nos respeitar… a nos amar…enfim, numa palavra, a nos cuidar. 

Cuidar de nossas formas de convívio na paz, na solidariedade e na justiça. Cuidar de nosso meio ambiente para que seja um ambiente inteiro no qual seja possível o convívio entre os diferentes. Cuidar de nossa querida e generosa Mãe Terra. 

Se nos cuidamos como a irmãos e a irmãs desaparecem as causas do medo. Ninguém precisa ameaçar ninguém. Podemos voar em nossos aviões sem medo de que se transformem em bombas para destruir edifícios e dizimar vidas. Que o dia 11 de setembro de 2001 seja menos recordado como o dia da tragédia americana e mundial e mais como o dia da grande transformação no estado de consciência da humanidade, rumo a relações mais inclusivas entre todos, na direção de mais compaixão e solidariedade entre os seres vivos, humanos e não-humanos, no caminho da reverência diante da vida, do compromisso pela justiça, pelo cuidado e pela paz, na alegre celebração da existência. Cada um é chamado a colocar o seu tijolo na construção deste santuáro da paz, da benquerença e da cooperação mundial e planetária.

Que o Espírito Criador que nos habita e que conduz misteriosamente os caminhos da história nos acompanhe com sua luz e com seu calor para realizarmos esses propósitos coletivos e humanitários. Amem. Assim seja.

* Texto escrito por Boff em 2001 após os atentados de 11 de setembro.

Via site Leonardo Boff

A música do " Maligno"! Buena Vista Social Club - Chan Chan

setembro 20, 2010

A subjetividade da beleza

Por Laion Monteiro


O caminho que nos leva à guerra é sorrateiro. Não precisamos de muita coisa para digladiarmos. O emaranhado de motivos sabiamente articulados para justificar um ataque não é capitaneado por altas justificativas. Somos presas fáceis quando o assunto é discussão. Facilmente levados pela pretensa ideia de que nossas teses, pensamentos e opiniões mudam o curso do mundo, não medimos esforços para encastelar nossa verdade particular. E nesse intento, um simples til fora do lugar é suficiente para desejarmos as mais despiedosas consequências aos que ousam não concordar com nosso ponto de vista. Existem certezas que nos tornam belicosos. E dentre tais convicções, não vejo nenhuma outra mais poderosa do que a religiosa.

"O prêmio Nobel de Física, Steven Weinberg, lembrou certa vez uma genial obviedade: que gente boa costuma fazer o bem, gente má, cometer más ações, mas para que se consiga que pessoas de bem pratiquem atrocidades, só em nome da religião."
Marilia Fiorillo, O Deus Exilado
Dizer que fundamentalistas não hesitaram em derramar sangue durante séculos e séculos graças às suas verdades absolutas não é anunciar nada de extraordinário. O que mais me intriga são as minhas certezas ínfimas. Ou melhor dizendo, as certezas que tenho relacionadas a assuntos ligeiramente triviais. A plena consciência de que devo não só ter vontades definidas mas também de fazer apologia de cada uma delas é o que considero como algo religiosamente definido. Não consigo convencer o outro e quando estou diante desse meu fracasso existencial escapo pela via mais mesquinha: demonizo-o. Relego meu próximo à indiferença. E nada mais desesperador do que ser vítima do desprezo.  

A indiferença é uma violência muda. 

Portanto, sou religiosamente convicto de meus gostos musicais, teatrais, cinematográficos e até políticos. A partir daí, começa a soar estranho o que me é diferente. De tão certo que estou, julgo algumas vezes ser a minha vontade a melhor. E quando isso acontece, fico a dois passos de classificar minha insuficiente opinião como algo indiscutivelmente salvador, inteiramente messiânico. Perdi as contas de quantas vezes pensei comigo mesmo como algumas pessoas não gostam desse ou daquele gênero musical; o porquê de ainda não terem assistido àquele filme que tanto me tocou; como conseguem ser tão obtusas e continuar votando no candidato x ou partido y; e mais outras idiotices invariavelmente descartáveis. Não defendo a morte da opinião. Acredito que devemos formá-la da melhor maneira possível. O que acho estranho é o nosso afã de, em nome da opinião, sacrificarmos nossas relações. Quando, por não subscrever nossas ideias, privamos o outro de ser atingido por nosso olhar.

Terrível seria meu caminho, confusas e tortuosas minhas relações caso eu não houvesse acordado para o caráter subjetivo da beleza. Quando estou diante da crueza da vida carrego também comigo a minha história. Ao lançar um olhar pra cada cena da existência certamente o farei a partir de minhas experiências, da minha idiossincrasia. Resultado dessa fórmula é que aquilo que me faz chorar não necessariamente fará o outro se emocionar. Enquanto de um lado me acabarei em lágrimas diante de um filme; o outro acompanhará tudo palitando os dentes. Seria engraçado caso não fosse ultrajante para algumas pessoas.

Sou essa crise infindável. Preciso aperfeiçoar-me na arte da galhardia. Espero não vitimar o próximo caso minha convicção não encontre continuidade em sua mente. Decidi aceitar o desafio de discordar com elegância, expor minhas ideias com discrição e conviver gentilmente. No terreno das relações, quero fazer de tudo pra não desprezar o olhar que busca refúgio. Não quero ser privado de ser atingido por nenhum olhar amigo, não quero sair ileso de nenhuma aproximação. Hoje, faço questão de ser ferido pelo afeto.

Meses atrás, caminhava nos corredores do Palácio da Boa Vista, em Campos do Jordão, quando meus olhos foram surpreendidos por uma tela de Di Cavalcanti. Diante da obra, meu coração bateu forte. Perdi-me por um instante. Fiquei feito a mulher que um dia amou sozinha: ainda buscando firmamento. Quando menos esperava, ouvi um homem dizer, Vamos embora logo...um monte de quadro, isso é pura perda de tempo. No frio, ajeitei o cachecol e pensei em escrever um texto. Esse.

Laion Monteiro

Publicado nesta segunda-feira no site Celebrai

Enviado via email por Laion.