maio 21, 2009

O ‘ethos’ que ama.


Quando a razão busca até o fim encontra na raiz dela o afeto que se expressa pelo amor e acima dela, o espírito que se manifesta pela espirituallidade. E no termo de sua busca encontra o mistério. Mistério não é o limite da razão mas o ilimitado da razão. Por isso, o mistério continua mistério em todo conhecimento que se sente desafiado a conhecer sempre mais. A razão científica nos ratifica esse percurso. Ela começou com a matéria, chegou aos átomos, desceu mais, aos elementos sub-atômicos, à energia e aos campos energéticos, ao campo de Higgs, origem de todos os campos, ao big-bang, há 15 bilhões de anos, para terminar no vácuo quântico, que é o estado de energia de fundo do universo, aquela fonte alimentadora de tudo que existe, misteriosa e inominável, que o conhecido cosmólogo, Brian Swimme, identifica como presença de Deus.

Concretamente, o mistério é o outro. Por mais que se queira conhecê-lo e enquadrá-lo, ele sempre se retrái para um mais além. Ele é mistério desafiador que nos obriga a sair de nós mesmos e a nos posicionar diante ele. Quando o outro irrompe à minha frente, nasce a ética. Porque o outro me exige uma atitude prática,ou de acolhida, de indiferença ou de rechaço. O outro significa uma pro-posta que pede uma res-posta com res-ponsa-bilidade.

O limite fatal do ethos que procura reside em ter reservado parco lugar ao outro. O paradigma ocidental sempre teve dificuldades com o outro. Por isso, ou o incorporou, o submeteu ou o destruiu. Negando o outro, perdeu a chance da aliança, do diálogo e do mútuo aprendizado com ele. Vigorou o paradigma da identidade sem a diferença, na esteira do pré-socrático Parmênides.

O outro faz surgir o ethos que ama. Paradigma deste ethos é o cristianismo das origens, o paleocristianismo. Este se diferencia do cristianismo oficial e de suas igrejas, porque em ética foi mais influenciado pelos mestres gregos do que pela mensagem e prática de Jesus. O paleocristianismo, ao contrário, dá absoluta centralidade ao amor ao outro, para Jesus, idêntico ao amor a Deus. O amor é tão central que quem tem o amor tem tudo. Ele testemunha esta sagrada convicção de que Deus é amor(1Jo 4,8) e o amor não morrerá jamais(1Cor 13,8). E esse amor é incondicional e universal, pois inclui também o inimigo (Lc 6,35). O ethos que ama se expressa na lei áurea, testemunhada por todas as tradições da humanidade: "ame o próximo como a ti mesmo"; "não faça ao outro o que não queres que te façam a ti".

O ethos que ama funda um novo sentido de viver. Amar o outro é dar-lhe razão de existir. O existir é pura gratuidade. Não há razão para existir. Amar o outro é querer que ele exista porque o amor faz o outro importante."Amar uma pessoa é dizer-lhe: tu não morrerás jamais (G.Marcel), tu deves existir, tu não podes morrer". Quando alguém ou alguma causa se fazem importantes para o outro, nasce um valor que mobiliza todas as energias vitais. É por isso que quando alguém ama, rejuvenesce e tem a sensação de começar a vida de novo. O amor é fonte perene de valores.

Somente esse ethos que ama, está à altura dos desafios atuais porque inclui a todos. Faz dos distantes, próximos e dos próximos, irmãos e irmãs.Tudo o que amamos, cuidamos. Abre-se, assim, ao ethos que cuida.

Nenhum comentário:

Postar um comentário